segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Alô Linguarudos, tertulianos, partilho convosco alguma informação relativa aso Malaquias  e à respectiva autora.

Aspásia, Cortesã, Memeia San

ndréa del Fuego, Prémio José Saramago 2011

fjs
A escritora brasileiraAndréa del Fuego é a vencedora do Prémio Literário José Saramago 2011, com o livro Os Malaquias, editado pelaLíngua Geral. A cerimónia de entrega do Prémio teve lugar no edifício Grupo Círculo/Bertrand.
A Fundação José Saramago felicita Andréa del Fuego
Andréa del Fuego, natural de S. Paulo, Brasil, onde nasceu no ano de 1975. Com formação em publicidade, fez produção de cinema e realizou duas curtas-metragens. Colaborando em várias revistas, inicia-se na escrita com Minto enquanto posso (2004). Uma primeira coletânea de contos seguida por Nego Tudo (2005), Engano seu (2007) e Nego fogo(2009). Em paralelo experimenta o juvenil com Quase caio (2008) eSociedade da Caveira de Cristal (2008) e o registo infantil com Irmãs de pelúcia (2010). Decidida a completar a sua formação em Filosofia ingressa na Universidade de São Paulo. Incluída em diversas antologias de contos, nomeadamente 30 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira e Os cem menores contos brasileiros do século, foi distinguida ainda este ano com o Prémio São Paulo de Literatura. Mantém o blog www.andreadelfuego.wordpress.com.



A propósito de Os Malaquias, escreveu José Luís Peixoto:
Se um nome define aqueles que o carregam, então Malaquias é nome de gente viva. No intrincado novelo de histórias que constituiu o romance de Andréa del Fuego, cada personagem é uma pessoa. A vida é-lhes soprada por aquilo que é matéria da literatura: a linguagem, os nomes. Aqui, as palavras têm cheiro e sabor, podem ser sentidas com a ponta dos dedos, possuem temperatura. As páginas que acompanham os Malaquias, que os fazem nascer, viver e morrer diante de nós, são feitas de assuntos infinitos – terra, céu – são feitas de distância e de aqui. Aqui mesmo, o teu rosto, o meu rosto, nós.
“Vida” é uma palavra grande, constituída por palavras grandes, nestes capítulos, nestes anos, Andréa del Fuego não teme nenhuma delas, mistura-as com a natureza: natureza humana e natureza-natureza. Por essa via, as personagens vivem, o mundo destas páginas vive e nós, leitores de milagres, vivemos também. Somos parte dessa mesma natureza, existimos nesse mesmo tempo de gerações, de bênçãos ou maldições eternas, esse tempo como um raio que fulmina ou como água que afoga, também nós somos donos de uma memória, que é do tamanho da Fazenda Rio Claro, pelo menos.
Vale a pena ler Os Malaquias para sabermos de nós próprios. Um dia, depois de tudo, se estivermos à altura da vida, cada uma das nossas histórias fará parte de uma vertigem como a que é descrita nestas páginas. Então, talvez possa haver leitores a se emocionarem, a se sobressaltarem, a se deslumbrarem, como acontece ao longo desta obra magistral de Andréa del Fuego.
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Palavras dos membros do júri:
Ana Paula Tavares:
«Antes do amanhecer a água mudou o tato das coisas. Um vento sob a represa que a superfície, disfarçava, o chão soltando ar, as plantas ficando de lado, aconteciam peixes.» Os Malaquias, p.117
Há um mundo primevo neste Os Malaquias de Andréa del Fuego, uma proposta de atravessar o tempo para descobrir as teias de um passado onde se apropria das falas e do conhecimento que lhe permitem nomear os seres que habitam a narrativa com voz própria para contar a vida vivida, a vida sonhada. Há em cada personagem do livro um passado que funciona como razão de um presente que o aprisiona e impele para um mundo onde se resolve a condição de estar vivo. Serra Morena é o lugar onde se chega para encontrar as origens e perceber que uma família se faz das intrincadas alianças que ultrapassam o mero parentesco mas também o lugar encantado onde tudo ganha forma nos misteriosos caminhos da escrita que se afeiçoa a revelar ao leitor as mil maneiras de viver e morrer dos Malaquias. Do outro lado o vale “onde quem vai, se volta, volta virado” (p. 154), que se prolonga numa sucessão de espelhos “o outro lado do vale era outro vale” (p. 163), como a palavra escolhida precisa e encantatória de Andréa del Fuego. Todas as famílias têm uma história, mas poucas servem esta tensão da escrita com o seu sistema de referências requintado e próprio da arte do romance. Os Malaquias dão-se a conhecer num intrincado jogo que a escrita controla e refaz. O resultado é misterioso mas absolutamente fascinante. 
Nélida Piñon
Os Malaquias é um romance áspero, poético, original. Voltado para a paisagem rural, a que raramente os autores contemporâneos se circunscrevem, seu perfil arcaico e trágico suscitam emoções intensas.
Oferta-nos uma leitura da qual não se sai incólume, cada capítulo traçado para nos perturbar. Uma criação que, enquanto avança, sem pausa que nos console, distancia-se dos intimismos, dos individualismos exacerbados, do falso cosmopolitismo que ora pauta a produção urbana. Como se estivera a autora centrada em retratar a injustiça e a crueldade de que somos forjados. Graças, pois, ao inusitado vigor de sua narrativa, Andréa del Fuego, autora de Os Malaquias, merece o prémio Saramago 2011, talhado para o seu talento. 
Vasco Graça Moura
Em Os Malaquias, a brasileira Andréa del Fuego transfigura numa impressiva obra de ficção a cruel banalidade da existência de três desgraçados irmãos órfãos, nascidos no rude ambiente de uma fazenda da Serra Morena, e que a vida separa desde muito pequenos. A escrita surpreende insuspeitados recursos de estranheza na coloquialidade quotidiana e desenvolve-se num ritmo muito seguro, perturbante e por vezes quase alucinatório. Não sendo propriamente afim dos processos de encadeamento da oralidade praticados por José Saramago nos seus romances, esta atenção à fala, às suas inflexões e às modalidades dos seus registos populares, acaba por redundar numa homenagem importante ao patrono deste prémio. 
Nazaré Gomes dos Santos
Se a autora mistura “natureza humana e natureza-natureza”, essa “transrealidade” é vital, antes de mais porque é comunitária, ou seja, são personagens com situação familiar e social claramente definida. Mas também são personagens feitas de uma luminosidade e única individualidade, iluminadas por dentro, através de uma invenção de linguagem que, como também já foi sugerido, reúne as palavras mais inesperadas. Mais: linguagem enraizada numa memória tão coletiva como individual, sem concessões regionalistas, sem retórica sentimental.
Enfim, nesta obra-prima de renovação originalíssima do romance brasileiro, simbiose perfeita de tradição e modernidade, cada episódio, cada personagem tem sentido, ou seja, “é alinhavado” “como água que se assenta depois da queda”. 
Maria de Santa Cruz
Jovem e muito antigo, o Discurso de água e fogo d’Os Malaquias(mensageiros) formula uma oblação quase pura, oferenda sacrificial de renovada fé na fertilidade da terra e na vida familiar e comunitária. A escritura del Fuego, enviada anunciadora, acompanha essa necessidade de crer no enraizamento dos elementos no e do Corpo humano-e-vegetal, seus afetos e humores num tempo cíclico de desastre e colheita em que convivem, com graça, as gerações do passado e do futuro. Inovação semântica e simples clareza da frase curta e direta. Esta re-criadora parece cruel e injusta como os deuses que, na sua ambiguidade, se permitem renegar uma de duas oferendas. Inusitado, originalíssimo. Tradicional e atual. Seiva exemplar, sem pretensões.
Manuel Frias Martins
Este é um romance que narra a história de três irmãos cedo desassossegados pela morte dos pais por um raio e logo a seguir inscritos num universo de vida rural ou de Fazenda brasileira. Através de uma narrativa ritmada por cenas itercadentes de vida, relativamente autónomas na economia global do romance, onde convivem candura e alguma violência, e no registo estilístico de uma linguagem tremendamente seca e austera, Os Malaquias vai objetivando situações tão concretas no seu realismo que o tempo do romance se mede sobretudo pelo tempo das próprias personagens que nele ocorrem e pela transparência líquida que as identifica.
Pilar del Río
(texto lido na cerimónia de entrega do Prémio José Saramago a Andréa del Fuego)
Seria José Saramago quem deveria falar agora, mas a morte é estupida e cruel e tira-nos muitas coisas. E pessoas, que ainda é pior.
José Saramago sería quien haría ahora el elogia de Andrea del Fuego, pero lo siento, Andréa, llegaste tarde, te quedas privada del ingenio, el buen humor, la camaradería de José Saramago, tu par. Él también se pierde este acto y haberte conocido. No sabes cómo lo siento.
He de confesar que cada vez que llegaba a casa un libro nuevo, una traducción, por ejemplo, de Miranda, de Gonçalo M. Tavares, o de Peixoto, o de Valter, o de Tordo, y en las cubiertas ponía “Prémio José Saramago”, él se llenaba de gozo. Eran, son, libros independientes, sin nada que ver entre ellos o con su obra, pero José Saramago se sentía inmerso en un espíritu, tal vez padrino, desde luego compañero, siempre amigo, sin duda orgulloso de esta constelación. Sí: constelación: Recuerdo que cuando Adriana Lisboa ganó el Premio él habló aquí de constelación. Que se expande y se expande y de forma ordenada, como las constelaciones del cielo, que solo a los que no sabemos astrofísica nos parecen obra de magia, pero no lo son, son fruto de mucho esfuerzo, de tiempo, trabajo y la luz propia y contenida de cada estrella, es decir, de cada escritor que ha recibido el Premio.
Felicidades Andréa del Fuego por haber escrito “Os Malaquias”, esa historia tan real que araña el espíritu y a veces se confunde con experiencias del propio recuerdo. No: no todos hemos tenido unos bisabuelos muertos por un rayo porque el corazón, cuando el rayo entró, hacía sístole. No todos hemos tenido unos antepasados tan singulares, supervivientes al fenómeno porque el corazón hacía diástole y el rayo paso por ellos, eso sí, dejándoles una luz que hoy llega a Lisboa y ha llegado a miles de lectores en Brasil aunque aparentemente no consiguiera iluminar los baños públicos de la estación donde Julia se iba dejando quedar, o el internado de Antonio, el niño que no consiguió crecer, tal vez porque tenía más calor entre las faldas de las freiras, o mirándolas, que es otra forma de calentarse, o de Nico, un patriarca con una misión que va arrastrando por la vida, desde niño, mientras la vida se encarga de cercenarle todos los sueños y todos los espacios. A cambio de una central eléctrica, es decir, una luz que no nace de ellos y que puede corromperlo todo.
No voy a contar el libro, Nélida Piñón, nuestra Nélida, hablará de él. O mejor, léanlo, que merece la pena, se van a encontrar un estilo conciso, frases que son golpes, la belleza sin artificios del origen del mundo. Cuando comiencen a leer y tengan que interrumpir la lectura, les aseguro que buscarán encontrarse de nuevo con “Los Malaquias”, querrán saber de ellos, dónde están, qué partida les jugará el destino, si podrán vencerla. Qué cerca del corazón nos los ha instalado Andréa.
De la que quiero decir algo: “Del Fuego” no es nombre portugués: es un seudónimo adoptado de Luz del Fuego, una bailarina, naturalista y feminista brasileña que revolución costumbres por su pensamiento y su forma de estar en el mundo. Y de no vestirse… Andréa eligió llamarse “del Fuego” porque aceptó el reto de responder en la radio a preguntas… sexuales. Y para eso llamarse “De los Santos”, casi mejor que no… Luego mantuvo el pseudónimo por su sonoridad. Y empezó a escribir. Dice que le tenía ojeriza a la realidad, por eso la transforma, la mitifica, le otorga otra categoría. Dice también que escribir es una fuga, y ella se fugó, sin saber que todo tiene retorno. Lo comprendió enseguida, cuando sus lectores se multiplicaron y la eligieron. Sabe que escribir es arte difícil y complicado, que exige soledad y mucho silencio. Y a veces Andréa, autora de libros para adolescentes y para mayores, se pregunta si merece la pena. Como es inteligente, se responde de manera inmediata: Sí, hay que seguir deslizándose por las palabras, encontrar el modo de “escribir de pronto”, como si no hubiera artificios, como si cada palabra fuera el todo. “La vida es importante”, contó Andréa “cuando una escribe”. Luego, prudente, se pregunta dónde va a parar lo escrito en el silencio, y ahí no se contesta, deja que seamos otros los que hablemos. Pues bien, Andréa, lo que has escrito hoy está en Lisboa, mereciendo el Premio José Saramago.
Sí, deslizarse sobre las palabras es bueno. Llegas a otros, has llegado a nosotros, que te incorporamos orgullosos a nuestra experiencia lectora. En el viaje interior que es escribir haces una parada en esta ciudad, en Portugal, que es a la vez impuso, deleite, alegría. Y ya sabes: entras en la constelación de la que antes hablaba, la bendita constelación de los Prémios José Saramago.
Obrigada e parabéns, Andréa del Fuego.
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A ausência de Saramago
(Texto de Nélida Piñon lido na cerimónia de entrega do Prémio José Saramago a Andréa del Fuego)
Uma vez mais, reunidos em Lisboa, concedemos a um jovem escritor da língua portuguesa o Prémio José Saramago 2011. Criado em 1999 pelo Círculo de Leitores, uma editora profundamente identificada com autores de língua portuguesa, o prémio originou-se da concessão do prémio Nobel a José Saramago, cuja obra é um tributo à criação que emana da língua portuguesa.
Um galardão que, distinto dos demais, pretendeu atender, desde o nascedouro, às aspirações dos escritores de língua portuguesa de idade inferior a trinta e cinco anos. Cobrindo, pois, um período cronológico em que os autores, emboscados pela fantasia e pela emoção, projetam no casulo da palavra a luz incisiva advinda do inventário da língua literária. Quando eles, sob o fulgor das descobertas do verbo e das incertezas provindas do oficio, adestram sua pena.
E que não foi criado com o intuito de mitigar o espírito aflito e solitário do jovem escritor recolhido em sua casa de Angola, do Brasil, de Cabo-Verde, de Guiné-Bissau, de Moçambique, de Portugal, de São Tomé e Príncipe, de Timor Leste. Mas antes expressar confiança nos postulados estéticos destes jovens que pertencem, tanto quanto todos nós, à matriz da literatura de língua lusa. Para que, assim ao abrir-lhes a delicada porta da esperança o prémio também nos devolva as noções da fé de que carecemos na maturidade.
A eleição de José Saramago, para tutelar o prémio, considerou a alta importância de um autor que, à parte do Nobel recebido, serviu, ao longo de décadas, com irrestrita devoção, persistência, dignidade, fervor, independência estética, aos desígnios da língua e da literatura. E que, dono de obra permeada por irrenunciável humanismo, por uma estética imune à vaidade vã, à ganância da glória perdulária, esteve sempre a favor dos interesses humanos.
Hoje, porém, Saramago não nos acompanha. Não o vemos ao lado de Pilar Del Rio, também jurada, ambos intimamente associados a todas instâncias do prémio. Nas ocasiões em que agia como se ele próprio, recém saído da sua vila de Azinhaga, e já instalado em Lisboa, pudesse cobiçar um prémio com igual característica, que colaborando com sua formação literária, o tivesse poupado das atribulações que enfrentou naquele período.
Nos encontros, em Lisboa, a figura esguia e austera do escritor emocionava-me. O rosto que se abria em sorriso quase velado, expressava discreto prazer, ironia afilada e descrença no humano que insistia em questionar. Na sua contínua batalha moral, tinha em mente, porém, a necessidade de aperfeiçoar o cabedal ético da sociedade e os estatutos do nosso humanismo. Seu estofo de pensador exigia, ao dar curso à imaginação, a responsabilidade cívica, o ideário audacioso, a acirrada defesa das minorias.
Sem falsos apanágios, seu discurso, ao replicar ou contrariar o pensar de certos filósofos, enveredava pelos ditames da consciência que transcendia os limites da condição humana.
É a primeira vez, pois, que nos reunimos após sua morte em 2010, em cujos funerais, com profunda tristeza, tive a honra de comparecer. Uma ausência que não nos impede de imaginar o quanto estaria hoje a exaltar a conduta do Círculo de Leitores que, sobrepondo-se à grave crise que assola o mundo, empenha-se em dar voz pública a talentos que afloram na esfera da língua portuguesa. Um prémio que encarna os mais ardentes postulados da obra de José Saramago.
Ao longo do seu ofício, Saramago reconheceu a índole universal da língua portuguesa e as irradiações da imaginação como peça de sustentação do edifício do repertório literário. Uma condição que lhe permitiu fertilizar sua concepção de arte, abrigar no verbo a melancólica poesia do cotidiano, a liberdade estética de alojar nos homens as histórias que correm o risco de se esmaecer.
Uma língua que, ao representar regozijo, lamúrias, poesia, ensejou que sua obra afagasse o mistério e o enigma de cada um de nós. Quando a narrativa, no corpo sagrado e profano da sua estética, tomou-se lírica, soberba, lúcida, cruel, propícia a servir à paixão e à ambiguidade da arte.
Mas, conquanto, desfalcados hoje da presença física de Saramago, ele nos acompanha. Não ocorreu entre nós uma despedida radical. Sua memória que nos subjuga, é paradigma da criação literária e da consciência de qualquer escritor. Constitui também um dos fundamentos da nossa visão de mundo.
Assim, como filhos da poesia, enaltecemos uma vez mais um prémio que, com rara eloquência moral e graças à Fundação Circulo de Leitores, opõe-se a tempos tão propícios ao desalento, à fugacidade, à armadilha das estéticas guiadas pela ganância dos mercados. Enquanto alimenta a crença de ser a literatura um poderoso esteio do processo civilizatório.
Um prémio que contou com a seriedade intelectual de um júri assim constituído:
• GUILHERMINA GOMES - PRESIDENTE DESTE JURI
• PILAR DEL RIO - PRESIDENTA DA FUNDAÇÃO JOSE SARAMAGO
• NAZARE GOMES DOS SANTOS,
• MARIA DE SANTA CRUZ,
• MANUEL FRIAS MARTINS,
• V ASCO GRACA MOURA,
• NÉLIDA PIÑON, QUE ORA LHES FALA
E que, por unanimidade, indicou Andréa Del Fuego vencedora do PRÉMIO JOSÉ SARAMAGO, 2011
A brasileira cujo nome simboliza a paixão que emerge de Os Malaquias, livro merecedor deste galardão.
Um romance áspero, poético e perturbador, que subsidia uma realidade como que provinda de um universo arcaico, cujos rastros a narrativa aos poucos reconstitui.
Já na sua ouverture, a tragédia abate-se sobre a modesta família Malaquias, tendo como cenário o mundo do campo. Aliás, voltado o romance para a paisagem rural, tal opção geográfica distingue-se da tendência contemporânea de privilegiar a temática e o espaço urbanos.
Graças, porém, ao seu perfil arcaico, que suscita emoções inquietantes, aderimos à trajetória da referida família, cuja sorte ingrata desagrega seus membros, sem lhes apagar na memória a procedência real e os vínculos psíquicos.
A narrativa tinge aos poucos suas personagens de sangue. Nenhum se encontra imune à sina que lhes está destinado. O enredo inflige-lhes dores, mas não se traduz em derramamentos verbais ou imagens que reverberam sem consistência.
Distante dos intimismos, dos individualismos exacerbados, do falso cosmopolitismo que aprisiona a produção literária dos nossos dias, a narrativa prossegue sem consolar o leitor. Não se sai incólume de um texto que irradia injustiças e crueldades e cuja preocupação é retratar o drama que golpeia Os Malaquias.
Um romance que, enquanto contraria os arautos que prognosticam o fim do género, confirma um talento talhado para o Prémio José Saramago 2011. E que o próprio Saramago, se aqui o tivéssemos, não hesitaria em aplaudir seu vigor narrativo.

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