É a minha caixa de correio. Gostam? Eu também. É simples.
Tão pintadinha, dessa cor que há, por todos os lados, em paredes frias. Sempre
gostei de contrastes. Talvez por ser uma mulher de contrastes. Perguntem ao meu
Arnaldo. Ele é que sabe dizer bem. Eu limito-me a abanar com a cabeça. Não lhe
dou razão. Vai lá uma mulher admitir esses defeitos congénitos. Nem ao marido,
quanto mais. Sou um poço de virtude. E que venha alguém e prove o contrário.
Sim. O da frente (por ciúmes) andou a espalhar pela vizinhança que já me
amassou. Sabem lá a chatice que me causou. Perguntem ao meu Arnaldo. Um dia,
andava eu a deixar a minha entrada asseada, como qualquer boa esposa que se
preze, e dei de caras com ela. Vinha toda arranjada – como se fosse Domingo de
Páscoa (ele há mulheres que não se enxergam; nem com óculos). Vi a fulana
passar por mim como se estivesse num cortejo (fúnebre). Boa tarde. Disse sem
tirar o olhar dos meus afazeres. Boa tarde! (podia estar surda)
Já ao virar da esquina, a fulaninha abranda o passo, vira-se
e (é mais forte do que ela): ó vizinha, quem foi que lhe fez o trabalhinho? Vai
ter de perguntar ao meu Arnaldo. Piscou-me o olho. Se calhar julga que a tenho
por mulher decente. Toda a gente sabe que aquela lambisgóia tem a casa por
trabalho. Despejo o balde para a rua, torço o pano. E recolho ao lar. O meu
Arnaldo está quase a chegar. Hoje vem mais cedo por causa dos horários. É um
homem muito certinho, o meu Arnaldo. Oh. Lá vem ele.Conheço-lhe os passos – de
há mais de vinte anos. Está bonita a nossa caixa. Diz-me à porta. Hás-de dizer
à lambisgóia quem a pintou. E não te chateias, mulher? Ó homem, que mal tem
isso? Lá o que ela faz pela vida não me diz respeito.
Comemos. Silêncio. Amamos. Silêncio. Dormimos. Silêncio.
Ó mulher (diz-me à saída), hás-de pedir ao teu marido que
compre mais umas latinhas para pintar a parede.
Sara Câmara Leme
Mapa Literário de Lisboa, Junho 2012
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