Já ao virar da esquina, a fulaninha abranda o passo, vira-se
e (é mais forte do que ela): ó vizinha, quem foi que lhe fez o trabalhinho? Vai
ter de perguntar ao meu Arnaldo. Piscou-me o olho. Se calhar julga que a tenho
por mulher decente. Toda a gente sabe que aquela lambisgóia tem a casa por
trabalho. Despejo o balde para a rua, torço o pano. E recolho ao lar. O meu
Arnaldo está quase a chegar. Hoje vem mais cedo por causa dos horários. É um
homem muito certinho, o meu Arnaldo. Oh. Lá vem ele.Conheço-lhe os passos – de
há mais de vinte anos. Está bonita a nossa caixa. Diz-me à porta. Hás-de dizer
à lambisgóia quem a pintou. E não te chateias, mulher? Ó homem, que mal tem
isso? Lá o que ela faz pela vida não me diz respeito.
Comemos. Silêncio. Amamos. Silêncio. Dormimos. Silêncio.
Ó mulher (diz-me à saída), hás-de pedir ao teu marido que
compre mais umas latinhas para pintar a parede.
Sara Câmara Leme
Mapa Literário de Lisboa, Junho 2012